segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Guardei as lágrimas no bolso, por mim



Parei de chorar.
Qual a sua utilidade?
Olhos inchados e voz aguda,
Pensamento incoerente e diálogo inconclusivo.
Guardei as lágrimas no bolso.

Parei de enxugar as lágrimas.
Elas já lá não estavam.
Inibidas, [provavelmente]
Por uma confiança fingida.
Guardei as lágrimas no bolso.

Deitei fora os lenços de papel,
Pintei um sorriso de Joker na cara,
Calcei a destreza e a força.
Tirei as lágrimas do bolso,
Amachuquei-as e deitei-as pela janela fora.

Já não vou precisar delas.
Sequei as lágrimas.
E enchi o seu espaço do meu bolso,
Por uma caneta.
A mesma que uso para purgar os males da alma,
as lágrimas do peito.
De forma,
A não ter de guardar as lágrimas no bolso.

Pescador, por mim



Cheirei-lhe o pescoço,
Senti os seus cabelos salgados,
Acariciei a pele morena e gretada pelo Sol.
Reconheci o sorriso do rapaz de 20 anos,
que me convidava para dançar.
Os dentes brancos e malandros não mentiam,
ao contrário das suas palavras:
"'Tás igualzinha ao baile de formatura!"
Nunca deixou de gostar do mar.
Aprendeu a usar o barco;
Aprendeu a usar as redes;
Até aprendeu a tatuar o braço - com a pele gretada pelo Sol - como todos
os outros pescadores faziam.
E eu,
que aprendera a tirar uma licenciatura;
que aprendera a ter o meu apartamento na Baixa Chiado;
que aprendera a ser uma mulher confiante e independente,
Nunca aprendera a desapaixonar-me por ele.
Pela pele que após 30 anos,
o Sol ajudou a bronzear e a enrugar.

Sem Nome V, por mim


Sacudi as folhas do pé,

Limpei os ramos dos braços,

Do tronco, removi as raízes

mortas e secas,

E o corpo mexeu-se.

À medida que caminhava,

o pó e os ninhos antigos

de animais caíam.

Do pó vim,

Mas ao pó ainda não hei-de voltar.

Pé por pé,

passo por passo,

numa caminhada elegante que se assemelha a uma dança,

apercebo-me que estou nua.

Já não há heras,

não há animais,

não há folhas,

e as flores já pereceram e caíram.

Não mais,

criaram raízes.


sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Ainda não chegámos à Madeira, por Ricardo A. Pereira, In "Boca do Inferno"



“O governo regional da Madeira decidiu não comemorar este ano o 25 de Abril, o que me parece extremamente acertado. De facto, não faz muito sentido que a Madeira festeje uma data que ainda não viveu. Quando o 25 de Abril chegar à Madeira, deve ser celebrado. Até lá, concordo com a proibição total das comemorações. Também não se festeja o dia da liberdade em Teerão, que Diabo.
Admito que aguardo com muita ansiedade o 25 de Abril da Madeira. Não sei se o regime madeirense permite que a “Visão” [revista onde se insere este artigo] circule livremente na ilha, mas gostava de explicar aqui, aos nossos irmãos madeirenses, em que consistirá o seu 25 de Abril, caso a história se repita. Embora eu ainda não tenha percebido se é a história que se repete ou se são os historiadores. Adiante.
Se tudo correr como no continente, o primeiro facto histórico relevante é este: Alberto João Jardim cairá de uma cadeira e será substituído por um dos seus delfins, provavelmente por Jaime Ramos. Depois, numa madrugada, um grupo de militares fará uma revolução e acabará por instaurar uma democracia. Vão ver que vai ser giro. Nós, aqui no continente gostámos.
Há ainda outro aspecto a considerar. Se nós queríamos que o 25 de Abril fosse celebrado pelo governo regional da Madeira, devíamos ter pensado nisso mais cedo. Todos sabemos que o Alberto João Jardim só festejaria o 25 de Abril se os militares tivessem invadido o Largo do Carmo, vestidos de Shaka Zulu. Porque é que o Salgueiro Maia veio de Santarém numa chaimite, vestido de camuflado, quando poderia ter chegado a Lisboa em cima de um bonito carro alegórico, envergando um vestido de baiana? Foi má vontade do capitão de Abril, e uma acintosa tentativa de boicotar os futuros festejos da data da Madeira.
É preciso lembrar que o governo regional da Madeira não está sozinho. Há muitas outras pessoas que se sentem incomodadas com os festejos do 25 de Abril – o que só fica bem ao 25 de Abril. Um dos principais argumentos contra a celebração da data é o seguinte: a Revolução já aconteceu há muito tempo, não faz sentido continuar a comemorá-la. É um raciocínio interessante, que eu gostaria de ver aplicado a outras festividades, designadamente o Natal. Parece que o acontecimento que se festeja no dia 25 de Dezembro também já teve lugar há algum tempo. Talvez não faça sentido continuar a celebrá-lo.
Pela minha parte, confesso que continuarei a celebrar o dia 25 de Abril de 1974. Nasci 3 dias depois e agradeço muito a quem fez a Revolução o facto de ter tornado possível que eu não tivesse de viver nem um minuto sob o fascismo. A Revolução, para mim, é como uma cunha: se não fosse o 25 de Abril, eu não teria emprego.”






Sem Nome, por Magui Alpalhão, In "Momentos de Inspiração"



“Eu sei o que não sei mas quero saber.
Saber o que sei, ainda não sei.
O que sei é que quero saber o que ainda não sei.

E saber o que sei
Depois de saber o que sei e o que não sei.
Então já sei.”




Hoje! Já Hoje! , por mim



Não há fogos postos.
Não há fuga nos impostos.
Não há animais em vias de extinção e a crise foi resolvida.
Os vulcões não entram em erupção, no entanto, deixam as terras férteis.
Os pandas já acasalam em cativeiro.
Não há filas de espera nos correios.
As respostas dos exames são todas subjectivas.
A comunidade cigana é agora integrada nas restantes.
O papa apoia o preservativo.
O vírus do HIV já quase não existe no continente africano.
Encontraram a cura para o cancro.
Os alunos não são barulhentos e não há professores injustos.
A Al-Qaeda foi desmantelada por iniciativa própria e juntou-se ao Green Peace.
A China libertou o Tibete, permitindo-lhes continuar a conviver pacificamente.
A família Bush gerou um movimento de controlo e destruição de armas.
Nigéria, Quénia, Etiópia, Angola e Moçambique exploram e exportam as suas matérias-primas, mantendo uma boa qualidade de vida para a população.
O capitalismo extremo já não existe.
O amor existe e é aceite em todas as idades, sexos e cores.
As pessoas deixaram de pensar e calcular, para sentir e viver.
Largámos os jogos electrónicos e abraçámos os livros.
Acordei.
…Podia jurar que tinha acontecido.

Mas o mundo não muda sozinho.
Eu? Eu estou a ajudar a mudar o mundo.
E tu, que estás a fazer?




Melancolia, por José Régio



"BASTA, meu coração! Nada de esperanças!
Desesperança extrema, altiva e crua.
Silêncio sobre uma grande álea nua
Com troncos sem folhagens, como lanças.

Nenhum lenço a acenar frágeis lembranças
Espaços baços, amplos, e sem lua.
Um vento igual, rasteiro e que insinua
Resignações que fingem bonanças”.




Sufismo: O camino del corazón

"Todo el mundo es un mrcado para el amor,
aunque sea en balde, el amor está lejos.
La sabiduría eterna hizo que todo fuera amor.
Todo depende del amor, con amor todo cambia.
La tierra, los cielos, el sol, la luna, las estrellas
en el centro de su órbita está el amor.
Por amor todos quedamos perplejos, estupefactos,
intoxicados por el vino del amor.

A todos, el amor pide un silencio místico.
¿Qué buscan de todo corazón? Este amor.
El amor es el sujeto de los pensamientos más íntimos,
en el amor dejan de existir el tú y el yo
porque el yo muere en el amado.
Ahora quitaré la venda del amor
y en templo de mi alma íntima
contemplaré, amigo, el amor incomparable.
Él que conocería el secreto de ambos mundos
encontrará que el secreto de ambos es el amor”.

Farid Ud Din Attar
In “Sabiduría Oriental”

Para Ana Roque, com muito carinho, que me ofereceu este livro, pois sem ele, jamais veria a beleza do amor sob este prisma.

Poema de Natal, por Vinícius de Moraes



“PARA isso fomos feitos:
Para lembrar e ser lembrados
Para chorar e fazer chorar
Parar enterrar os nossos mortos –
Por isso temos braços longos para os adeuses
Mãos para colher o que foi dado
Dedos para cavar a terra.

Assim será a nossa vida:
Uma tarde sempre a esquecer
Uma estrela a se apagar na treva
Um caminho entre dois túmulos –
Por isso precisamos velar
Falar baixo, pisar leve, ver
A noite dormir em silêncio.

Não há muito que dizer:
Uma canção sobre um berço
Um verso, talvez, de amor
Uma prece por quem se vai –
Mas que essa hora não esqueça
E por ela os nossos corações
Se deixem, graves e simples.

Pois para isso fomos feitos:
Para a esperança no milagre
Para a participação da poesia
Para ver a face da morte
De repente nunca mais esperaremos…
Hoje à noite é jovem; da morte, apenas
Nascemos, imensamente”.

Sentimento Ridículo, por mim




O sopro do bater das asas
de um pássaro.
Um chilrear matinal,
Um rouxinol mudo,
Pela beleza do nascer-do-sol,
por saber,Que nunca fará parte dele.






Citação do Alquimista



“Everytime a child is born,
It brings with it the hope
That God is not yet
Disappointed with Men”.

Rabindranah Tagore






Sonho de uma Noite de Perfeição, por mim




Tive uma visão utópica.
Nós. Nós, a gente do povo. A alimentarmo-nos todos juntos e bem. Pessoas dedicadas a fazer uma boa alimentação. Pessoas contentes e a viver de forma saudável. Todos têm emprego. Não há ninguém sem trabalho. O dentista é um bom dentista, e por isso ganha bem. E como é bom no que faz, contribui para a comunidade. A senhora da mercearia recebe o dinheiro dos cozinheiros que cozinham para a comunidade.
Todo o dinheiro é trocado entre a comunidade.
Todos os cargos são merecidos e bem efectuados.
Todo o dinheiro é fornecido para a comunidade, de acordo com os seus trabalhos e de acordo, com as suas necessidades.
O poder que governa esta comuna não pode ser questionado.






O Sonho da Guerreira, por mim


Vivemos num continente africano, arenoso e quente. Tenho a pele morena e com cicatrizes. Sou pequena e visto um traje clássico. Sou a guardiã da língua sagrada e a minha função é de proteger o “falante”. Fiz um voto de obediência para com ele. Tenho três adagas À cintura e um grande machado preso às costas. Tenho de proteger o “falante”. Falo a língua sagrada só com ele. Não tenho vontade própria. Não posso ter.

Sou uma guerreira e mantenho-me pura nas escolhas, nos ideias e nas artes marciais, e no meu corpo. Homem algum poderá tocar-me sob pena de morte. Tenho marcas no meu corpo. Tenho marcas, cicatrizes de outras batalhas ou punições de desacatos. Enquanto o chicote dilacera a carne, não podemos gritar. obediência. Sempre.


Message in a Tomb, por Charles Dickens



“STRANGER!
Respect the tomb of John Chivery, Junior, who diedat an advanced age, not necessary to mention. He encountered his rival in a distressed state, and felt inclined to have a round with him; but, for the sake of the loved one, conquered those feelings of bitterness, and became MAGNANIMOUS.”

Charles Dickens
In Anthology “A Lover Composes Some Epitaphs”




António Aleixo


«Quem nada tem,
nada come;
e ao pé de quem tem comer,
se alguém disser que tem fome,
comete um crime, sem querer».
Primavera de 1943

“O poeta António Aleixo, cauteleiro e guardador de rebanhos, cantor popular de feira em feira, pelas redondezas de Loulé, é um caso singular, bem digno de atenção de quantos se interessam pela poesia.
Embora não totalmente analfabeto – sabe ler e tem lido meia dúzia de bons livros – não capaz, porém de escrever com correcção e a sua preparação intelectual não lhe dá certamente qualificação para poder ser considerado um poeta culto.
Todavia, há nos versos que constituem este livro uma correcção de linguagem e, sobretudo, uma expressão concisa e original de uma amarga filosofia, aprendida na escola impiedosa da vida, que não não deixam de impressionar […]”

Joaquim Magalhães