quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Choro, por mim



Choro lágrimas,
Choro pensamentos,
Choro lembranças e recordações,
Oh! Que recordações…
Boas e más,
Doces e amargas, mas
Choro.
Choro, choro tanto que já não sei porque choro,
Mas continuo a chorar.
Choro até à alma ficar limpa, até à consciência ficar leve.
Mas a alma não fica limpa e a consciência continua pesada, mas mesmo assim
Choro , choro e rebento. E ao rebentar solto um animal,
Um animal selvagem que existe no lado mais obscuro de mim,
O coração.
E entre lágrimas de raiva,
Oh! Que imensa raiva e ódio que eu sinto, eu limpo a minha alma
E sem peso nas minhas costas,
Sigo a minha única e fiel religião:
A minha consciência.

IV, por T. S. Eliot



"The dove descending breaks of air
With flame of incandescendent terror
Of which the tongues declare
The one discharge from sin and error.
The only hope, or else despair
Lies in the choice of pyre or pyre –
To be redeemed from fire by fire.

Who then devised the torment? Love.
Love is the unfamiliar Name
Behind the hands that wove
The intolerable shirt of flame
Which human power cannot remove.
We only live, only suspire
Consumed by either fire or fire."

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Sem Nome III, por António Aleixo




“Se pedir, peço cantando,
Sou mais atendido assim;
Porque, se pedir chorando,
Ninguém tem pena de mim.

Meu aspecto te enganou;
O que a gente é não se vê;
Pergunta a outrem quem sou,
Pois o que sou nem eu sei”.

Quem me vê dirá: não presta,
Nem mesmo que lhe fale,
Porque ninguém traz na testa,
O selo de quanto vale”.

Sem Nome II, por António Aleixo



“Peço às altas competências
Perdão, porque mal sei ler,
P’ra aquelas deficiências,
Que os meus versos possam ter.

Quando não tenhas à mão
Outro livro mais distinto,
Lê estes versos que são
Filhos das máguas que sinto.

Julgam-me mui sabedor.
E é tam grande o meu saber
Que desconheço o valor
Das quadras que sei fazer”.

Sem Nome I, Alberto Caeiro, in "Poemoas Inconjuntos"



“[…] Sou fácil de definir.
Vi como um danado.
Amei as coisas sem sentimentalidade nenhuma.
Nunca tive um desejo que não pudesse realizar, porque nunca ceguei.
Mesmo ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver.
Compreendi que as coisas são reais e todas diferentes umas das outras;
Compreendi isto com os olhos,
Nunca com o pensamento.
Compreender isto com o pensamento seria achá-las todas iguais.
Um dia deu-me o sono como a qualquer outra criança.
Fechei os olhos e dormi.
Além disso, fui o único poeta da Natureza."

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Velho Testamento, por José Régio



"MUDO, por hoje, o vivo feroz, saciada
A fome vil, chegado o vil quebranto,
Na placidez da noite constelada
Recolho, e aqui me encolho e embrulho a um canto.

Já, longe, um fresco alvor de madrugada
Nos diz que mais um dia aí vem! No entanto,
Por enquanto, feliz sem pensar em nada,
Todo este mundo inerte é esparso encanto”.

Opera Omnia, por Bocage




"Chorosos versos meus desentoados,
Sem arte, sem beleza e sem brandura,
Urdidos pela mão da Desventura,
Pela baça tristeza envenenados:

Vede a luz, não busqueis, desesperados,
No mudo esquecimento a sepultura;
Se os ditosos vos lerem sem ternura,
Ler-vos-ão com ternura os desgraçados.

Não vos inspire, ó versos, cobardia
Da sátira mordaz o furor louco,
Da maldizente voz a tirania.

Desculpa tendes, se valeis tão pouco;
Que não pode cantar com melodia
Um peito, de gemer cansado e rouco”.

Ternura, por Vinícius de Moraes



"EU TE PEÇO PERDÃO por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma…
É um sossego, uma canção. Um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora”.




Soneto de Despedida, por Vinícius de Moraes

"UMA LUA no céu apareceu
Cheia e branca; foi quando, emocionada
A mulher a meu lado estremeceu
E se entregou sem que eu dissesse nada.

Larguei-as pela jovem madrugada
Ambas cheias e brancas e sem véu
Perdida uma, a outra abandonada
Uma nua na terra, outra no céu.

Mas não partira delas, a mais louca
Apaixonou-me o pensamento; dei-o
Feliz – eu de amor pouco e vida pouca.

Mas que tinha deixado em meu enleio
Um sorriso de carne em sua boca
Uma gota de leite no seu seio”.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Sonetoda Hora Final, por Vinícius de Moraes



"SERÁ ASSIM, amiga: um certo dia
Estando nós a contemplar o poente
Sentiremos no rosto, de repente
O beijo leve de uma aragem fria.

Tu me olharás silenciosamente
E eu te olharei também com nostalgia
E partiremos, tantos de poesia
Para a porta da treva aberta em frente.

Ao transpor as fronteiras do segredo
Eu, calmo, te direi: - Não tenhas medo
E tu, tranquila, me dirás: - Sê forte.

E como dois antigos namorados
Naturnamente tristes e enlaçados
Nós entraremos nos jardins da morte”.

Montevideu, Julho, 1960

III, por T. S. Eliot



"Here is a place of disaffection
Time before and time after
In a dim light: neither daylight
Investing form with lucid stilness
Turning shadow into transient beauty
With slow rotation suggesting permanence
Nor darkness to purify the soul
Emptying the sensual with deprivation
Cleansing affection from the temporal.
Neither plenitude nor vacancy. Only a flicker
Over the strained time – ridden faces
Distracted from distraction by distraction
Filled with fancies and empty of meaning
Tumid apathy with no concentration
Men and bits of paper, whirled by the cold wind
That blows before and after time,
Wind in and out of unwholesome lungs
Time before and time after.
Eructation of unhealthy souls
Into the faded air, the torpid
Driven on the wind that sweeps the gloomy hills of London,
Hampstead and Clerkwell, Campden and Putney,
Highgate, Pimrose and Ludgate. Not here
Not here the darkness, in this twittering world.

Descend lower, descend only
Into the world of perpetual solitude,
World not world, but that which is not world,
Internal darkness, deprivation
And destitution of all property,
Desiccation of the world of sense,
Evacuation of the world of fancy,
Inoperancy of the world of spirit;
This is the one way, and the other
Is the same, not in movement
But abstention from movement;
While the world moves
In appetency, on its metalled ways
Of past time and time future."

Sem Nome IV, por Álvaro de Campos





"No fim de tudo dormir,
No fim de quê?
No fim de tudo parecer ser…,
Este pequeno universo provinciano entre astros,
Esta aldeola do espaço,
E não só visível do espaço visível."

terça-feira, 1 de setembro de 2009

Água, ou outra coisa que tal, por mim


Ás vezes, há certas sujidades
Que nem a água consegue limpar.
Às vezes, por mais horas
que passemos no banhovamos continuar a sentir suores alheios,
odores alheios,
a feder em nós.
Cheiros nauseabundos,
Resultados de escolhas erradas,
Resultados de inseguranças usurpadas
E resultados de firmezas não bem conseguidas.

Às vezes, é difícil limparmo-nos,
quando não são os poros da nossa pele
que emana sujidade,
Mas os nossos erros.

Às vezes os nossos erros têm cheiro.
Cheiro a frustração,
Cheiro a arrogância,
Cheiro à inconstante e detestável adolescência,
Cheiro a negação,
Cheiro a desilusão.
Este é o cheiro mais difícil de tirar da pele e da roupa.
É o cheiro que fica mais entranhado;
É o cheiro que deixa mais nódoas;
E,
É o cheiro que mais desgasta os tecidos,
Lavagem após lavagem,
sem nunca sair,
sem nunca deixar uma réstia do seu traço.